Entrevista: Geraldo Peçanha de Almeida
Com muita experiência vivida em sala de aula, o educador avalia as atuais necessidades e carências da Educação Infantil brasileira.
O mais velho de cinco irmãos, Geraldo Peçanha de Almeida foi o primeiro de sua família simples de lavradores do Vale do Paranapanema, no Paraná, a concluir o curso superior. O estudo, sempre estimulado pelos pais, o levou para os caminhos da educação. Quando começou a cursar Pedagogia na Unesp de Marília, seu objetivo já era um só: ser professor regente de Educação Infantil. “Normalmente homem fazendo Pedagogia é sinônimo de cargos de gestão. No meu caso, minha intenção sempre foi ser professor de Educação Infantil.
Porém, como eu não cursei o magistério, naquela época era necessário fazer um adicional para atingir o direito de ser professor regente - ou seja, mais um ano e meio, além dos quatro anos do curso regular de Pedagogia. Quer dizer, era uma prova de fogo mesmo. Quem queria seguir na Educação Infantil tinha que ter a opção muito firme, caso contrário não suportaria. Além disso, nem meus irmãos e tampouco meus pais queriam que eu seguisse no magistério. Até hoje me perguntam de que sou professor, qual é a disciplina que ministro”, diverte-se Geraldo.
O esforço para atingir seu objetivo foi recompensado. “Acredito que foram as crianças, seus olhos brilhando por aprender e a alegria delas ao me encontrar diariamente, a grande motivação para a minha permanência na pré-escola”, pondera. Com 11 anos de prática na escola com crianças pequenas, ele também enveredou pelas salas de aula das séries iniciais do Fundamental e do Ensino Médio. Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina, tem cerca de 30 livros publicados, dedicados principalmente à área da Educação Infantil, Alfabetização e Letramento e Psicomotricidade. Entre eles, estão Práticas psicomotoras para sala de aula,Dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita e Práticas de Educação Infantil (do qual é organizador), todos pela editora Wak, além de Práticas de Alfabetização e letramento e Transposição didática – por onde começar (ambos pela editora Cortez).
Mas um de seus últimos lançamentos é Poucos podem ser, muitos querem ter, todos precisam de um Pai (Proinfanti Editora), no qual relata sua experiência como pai solteiro de Bruno. Por conta até de sua experiência, Geraldo é um crítico da postura atual de muitas escolas. “Sou pai adotivo e solteiro por opção. Sou contra esta história de escola deixar de fazer seu trabalho e ficar se intrometendo em valores familiares. Valores familiares são grandes e diversos demais para a escola lidar e ela, a escola, não sabe como fazer isto, então é preciso retornar às aulas - as famílias agradecem”, afirma.
Consultor de sistemas de ensino e de redes públicas, palestrante pelo Brasil afora e professor da Universidade Federal do Paraná, Geraldo falou sobre mudanças urgentes na Educação Infantil, práticas de leitura e relacionamento escola/família nesta entrevista exclusiva à Direcional Educador.
Porém, como eu não cursei o magistério, naquela época era necessário fazer um adicional para atingir o direito de ser professor regente - ou seja, mais um ano e meio, além dos quatro anos do curso regular de Pedagogia. Quer dizer, era uma prova de fogo mesmo. Quem queria seguir na Educação Infantil tinha que ter a opção muito firme, caso contrário não suportaria. Além disso, nem meus irmãos e tampouco meus pais queriam que eu seguisse no magistério. Até hoje me perguntam de que sou professor, qual é a disciplina que ministro”, diverte-se Geraldo.
O esforço para atingir seu objetivo foi recompensado. “Acredito que foram as crianças, seus olhos brilhando por aprender e a alegria delas ao me encontrar diariamente, a grande motivação para a minha permanência na pré-escola”, pondera. Com 11 anos de prática na escola com crianças pequenas, ele também enveredou pelas salas de aula das séries iniciais do Fundamental e do Ensino Médio. Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina, tem cerca de 30 livros publicados, dedicados principalmente à área da Educação Infantil, Alfabetização e Letramento e Psicomotricidade. Entre eles, estão Práticas psicomotoras para sala de aula,Dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita e Práticas de Educação Infantil (do qual é organizador), todos pela editora Wak, além de Práticas de Alfabetização e letramento e Transposição didática – por onde começar (ambos pela editora Cortez).
Mas um de seus últimos lançamentos é Poucos podem ser, muitos querem ter, todos precisam de um Pai (Proinfanti Editora), no qual relata sua experiência como pai solteiro de Bruno. Por conta até de sua experiência, Geraldo é um crítico da postura atual de muitas escolas. “Sou pai adotivo e solteiro por opção. Sou contra esta história de escola deixar de fazer seu trabalho e ficar se intrometendo em valores familiares. Valores familiares são grandes e diversos demais para a escola lidar e ela, a escola, não sabe como fazer isto, então é preciso retornar às aulas - as famílias agradecem”, afirma.
Consultor de sistemas de ensino e de redes públicas, palestrante pelo Brasil afora e professor da Universidade Federal do Paraná, Geraldo falou sobre mudanças urgentes na Educação Infantil, práticas de leitura e relacionamento escola/família nesta entrevista exclusiva à Direcional Educador.
DIRECIONAL EDUCADOR - Por que os professores de Educação Infantil ainda trabalham focados apenas nas datas comemorativas? Como sair da mesmice dos desenhos para colorir?
GERALDO PEÇANHA DE ALMEIDA - Realmente isto é uma praga. Nenhuma rede, nenhuma instituição e nenhuma escola escapa desta condição. Ver uma criança com um chapéu comemorando o Dia do Soldado ainda é mais comum do que se pensa. Dia da Árvore, Primavera, Natal, dia disto ou daquilo é uma praga que contamina planejamentos em escolas públicas e privadas, mas a culpa está na gestão destes grupos de professores pois todos os gestores possuem informações, com mais ou menos profundidade, do que já é possível fazer nas escolas de Educação Infantil. No entanto, dá mais trabalho permitir que o professor teste novas possibilidades porque o tal do controle final fica quase insustentável. Ou seja, se o gestor da Educação Infantil, seja o diretor da escola ou o secretário de educação, quer somente agradar aos pais a melhor coisa é encher as escolas com brinquedos de plásticos, blocos lógicos dentro de caixas de papelão para as crianças "brincarem", muito alinhavo, encaixe e desencaixe e potes e mais potes de tintas para que elas pintem os velhos desenhos reproduzidos há anos. Assim, a gestão escolar não surpreende o pai, tem-se a falsa impressão de que se controla mais o trabalho pedagógico porque sabe-se o que o professor está fazendo, mas a criança, o verdadeiro sujeito da aprendizagem, não é e não pode ser ouvida. O resultado é um ensino anátema, fora de contexto, desestimulante e amorfo.
GERALDO PEÇANHA DE ALMEIDA - Realmente isto é uma praga. Nenhuma rede, nenhuma instituição e nenhuma escola escapa desta condição. Ver uma criança com um chapéu comemorando o Dia do Soldado ainda é mais comum do que se pensa. Dia da Árvore, Primavera, Natal, dia disto ou daquilo é uma praga que contamina planejamentos em escolas públicas e privadas, mas a culpa está na gestão destes grupos de professores pois todos os gestores possuem informações, com mais ou menos profundidade, do que já é possível fazer nas escolas de Educação Infantil. No entanto, dá mais trabalho permitir que o professor teste novas possibilidades porque o tal do controle final fica quase insustentável. Ou seja, se o gestor da Educação Infantil, seja o diretor da escola ou o secretário de educação, quer somente agradar aos pais a melhor coisa é encher as escolas com brinquedos de plásticos, blocos lógicos dentro de caixas de papelão para as crianças "brincarem", muito alinhavo, encaixe e desencaixe e potes e mais potes de tintas para que elas pintem os velhos desenhos reproduzidos há anos. Assim, a gestão escolar não surpreende o pai, tem-se a falsa impressão de que se controla mais o trabalho pedagógico porque sabe-se o que o professor está fazendo, mas a criança, o verdadeiro sujeito da aprendizagem, não é e não pode ser ouvida. O resultado é um ensino anátema, fora de contexto, desestimulante e amorfo.
Qual a maior carência entre os profissionais que atuam na Educação Infantil?
Eu pergunto em todos os lugares onde vou palestrar para professores de Educação Infantil o nome de cinco ilustradores de livros infantis, o nome de cinco bailarinos contemporâneos brasileiros, o nome de cinco cantores ou bandas que trabalhem especificamente com o público infantil e as respostas, na maioria das vezes, não passa de um ou dois nomes. Ou seja, se os parâmetros curriculares nacionais mínimos para Educação Infantil pregam que um professor da infância precisa trabalhar com artes visuais, movimento e música, como é possível entender que uma pessoa possa fazer um bom trabalho na sala de aula se ela não conhece sequer o conteúdo com o qual trabalha? Muitas vezes os professores não sabem a diferença entre um autor de livro para um ilustrador. Quer dizer, se ele não conhece o trabalho dos nomes nacionais que estão pensando a infância da criança, daquela contemporaneidade, no mínimo está cometendo um engano pedagógico, mais conhecido por aí como a atitudeeu finjo que ensino, eles fingem que aprendem e os pais fingem que está tudo bem.
Eu pergunto em todos os lugares onde vou palestrar para professores de Educação Infantil o nome de cinco ilustradores de livros infantis, o nome de cinco bailarinos contemporâneos brasileiros, o nome de cinco cantores ou bandas que trabalhem especificamente com o público infantil e as respostas, na maioria das vezes, não passa de um ou dois nomes. Ou seja, se os parâmetros curriculares nacionais mínimos para Educação Infantil pregam que um professor da infância precisa trabalhar com artes visuais, movimento e música, como é possível entender que uma pessoa possa fazer um bom trabalho na sala de aula se ela não conhece sequer o conteúdo com o qual trabalha? Muitas vezes os professores não sabem a diferença entre um autor de livro para um ilustrador. Quer dizer, se ele não conhece o trabalho dos nomes nacionais que estão pensando a infância da criança, daquela contemporaneidade, no mínimo está cometendo um engano pedagógico, mais conhecido por aí como a atitudeeu finjo que ensino, eles fingem que aprendem e os pais fingem que está tudo bem.
Também para os pequenos de zero a três anos é possível trabalhar com projetos e sequências didáticas?
Para mim a sequência didática é a grande descoberta e a grande novidade para o trabalho com crianças de Educação Infantil, sejam elas de zero a três anos ou de quatro e cinco anos de idade. As crianças pensam em sequência: se você diz a elas que a vaca dá leite elas imediatamente perguntam “Por quê? Como? Onde?”. Se você diz para uma criança que ela veio da barriga da mamãe ela imediatamente segue com um arsenal de perguntas, todas girando em torno de uma lógica que para ela, naquele momento, é importante e pertinente. Trabalhar com esta lógica é o primordial em sequência didática. É esta unidade corporativa, como eu chamo, que pode mostrar para as crianças que o capim tem ligação com a vaca, que se liga ao leite, que se liga ao queijo, que se liga ao café da manhã e por aí vai. Assim, aos poucos, de pergunta em pergunta, a criança vai construindo uma lógica fenomenal. Assim, de ponto em ponto, ela vai tecendo um saber naturalmente construído, respeitando, é claro, o prazer, o lúdico, a forma, os padrões socialmente determinados.
Para mim a sequência didática é a grande descoberta e a grande novidade para o trabalho com crianças de Educação Infantil, sejam elas de zero a três anos ou de quatro e cinco anos de idade. As crianças pensam em sequência: se você diz a elas que a vaca dá leite elas imediatamente perguntam “Por quê? Como? Onde?”. Se você diz para uma criança que ela veio da barriga da mamãe ela imediatamente segue com um arsenal de perguntas, todas girando em torno de uma lógica que para ela, naquele momento, é importante e pertinente. Trabalhar com esta lógica é o primordial em sequência didática. É esta unidade corporativa, como eu chamo, que pode mostrar para as crianças que o capim tem ligação com a vaca, que se liga ao leite, que se liga ao queijo, que se liga ao café da manhã e por aí vai. Assim, aos poucos, de pergunta em pergunta, a criança vai construindo uma lógica fenomenal. Assim, de ponto em ponto, ela vai tecendo um saber naturalmente construído, respeitando, é claro, o prazer, o lúdico, a forma, os padrões socialmente determinados.
As próprias famílias também têm dificuldades em entender que a escola não é só lugar de cuidar do filho, mas de educar?
O erro começa com a professora e com o professor de Educação Infantil. Muitas escolas dão muito ênfase ao entretenimento, ou seja, tem horário para o parque, horário para a quadra de areia, horário para o recreio, horário para a brinquedoteca, horário para isto ou para aquilo. Isto não estaria errado se nós pensássemos em duas palavras - frequência e intensidade. Quer dizer, se a criança não tem, ao longo do dia escolar, também atividades estruturadas, esta falta educa-a para um tipo de escola que privilegia muito mais o entretenimento do que as atividades educativas. Lembro que o papel primordial da escola, ainda que na Educação Infantil, é gerenciar a aprendizagem do aluno. A brincadeira e o lúdico são partes indissociáveis desta ação, no entanto não se faz uma escola de Educação Infantil só com brincadeiras pois as crianças não podem contar com a negligência pedagógica da falta de exemplos. Os exemplos são peças-chaves da educação e socialização de uma criança e eles também advêm de atividades estruturadas. São as atividades estruturadas que mostram para a criança que também é importante parar, pensar, testar, arquitetar, construir e isto dá trabalho, por vezes é chato, mas é imprescindível para o desenvolvimento infantil. Crescer dói, educar também dói, aprender também dói, mas é a "dor" que traz liberdade, e a liberdade só se atinge com a sabedoria.
O erro começa com a professora e com o professor de Educação Infantil. Muitas escolas dão muito ênfase ao entretenimento, ou seja, tem horário para o parque, horário para a quadra de areia, horário para o recreio, horário para a brinquedoteca, horário para isto ou para aquilo. Isto não estaria errado se nós pensássemos em duas palavras - frequência e intensidade. Quer dizer, se a criança não tem, ao longo do dia escolar, também atividades estruturadas, esta falta educa-a para um tipo de escola que privilegia muito mais o entretenimento do que as atividades educativas. Lembro que o papel primordial da escola, ainda que na Educação Infantil, é gerenciar a aprendizagem do aluno. A brincadeira e o lúdico são partes indissociáveis desta ação, no entanto não se faz uma escola de Educação Infantil só com brincadeiras pois as crianças não podem contar com a negligência pedagógica da falta de exemplos. Os exemplos são peças-chaves da educação e socialização de uma criança e eles também advêm de atividades estruturadas. São as atividades estruturadas que mostram para a criança que também é importante parar, pensar, testar, arquitetar, construir e isto dá trabalho, por vezes é chato, mas é imprescindível para o desenvolvimento infantil. Crescer dói, educar também dói, aprender também dói, mas é a "dor" que traz liberdade, e a liberdade só se atinge com a sabedoria.
A leitura e o trabalho com textos podem acontecer já a partir do berçário?
Sim, desde que a atividade não seja um mero passatempo ou entretenimento para a criança. Por exemplo, muitas vezes vejo professoras ou atendentes de creche e centros infantis se vestindo de bruxa, de fada, de noiva e de um monte de outras coisas para simplesmente ler um texto às crianças. Isto não seria ruim esporadicamente. No entanto, é importante os professores confiarem na força das palavras, na tessitura dos textos e principalmente no poder da história. Se um aluno desde o berçário precisa do figurino para se ligar ao livro isto mostra que ele poderá ficar dependente disso por toda a vida. Mais tarde, quando os livros não tiverem ilustrações, quando a professora não estiver fantasiada e quando não houver imagens prontas, talvez ele não consiga fazer nenhuma viagem sozinho. É aí que o problema aparece. Portanto, está sim liberado contar histórias de zero a três anos, mas é importante educar e seduzir a criança pelo texto, pela palavra - princípio de tudo, o verbo que edifica e faz viver.
Sim, desde que a atividade não seja um mero passatempo ou entretenimento para a criança. Por exemplo, muitas vezes vejo professoras ou atendentes de creche e centros infantis se vestindo de bruxa, de fada, de noiva e de um monte de outras coisas para simplesmente ler um texto às crianças. Isto não seria ruim esporadicamente. No entanto, é importante os professores confiarem na força das palavras, na tessitura dos textos e principalmente no poder da história. Se um aluno desde o berçário precisa do figurino para se ligar ao livro isto mostra que ele poderá ficar dependente disso por toda a vida. Mais tarde, quando os livros não tiverem ilustrações, quando a professora não estiver fantasiada e quando não houver imagens prontas, talvez ele não consiga fazer nenhuma viagem sozinho. É aí que o problema aparece. Portanto, está sim liberado contar histórias de zero a três anos, mas é importante educar e seduzir a criança pelo texto, pela palavra - princípio de tudo, o verbo que edifica e faz viver.
Por que é importante trabalhar com o movimento na Educação Infantil e como fazê-lo?
Criança que não movimenta é criança que não aprende a liderança. É possível observar em grupos de crianças que os líderes entre elas são justamente aqueles que possuem as melhores coordenações motoras e o melhor desenvolvimento motor. Mas para isto é necessário o professor e a professora fazerem primeiro o movimento e pedir que elas repitam.
Depois pedir que elas próprias possam criar ou recriar movimentos: danças, expressões corporais, mímicas, pantomimas e até mesmo golpes de defesas ou movimentos de animais. São estes movimentos combinados e sincronizados que vão construindo a referência corporal da criança.
Criança que não movimenta é criança que não aprende a liderança. É possível observar em grupos de crianças que os líderes entre elas são justamente aqueles que possuem as melhores coordenações motoras e o melhor desenvolvimento motor. Mas para isto é necessário o professor e a professora fazerem primeiro o movimento e pedir que elas repitam.
Depois pedir que elas próprias possam criar ou recriar movimentos: danças, expressões corporais, mímicas, pantomimas e até mesmo golpes de defesas ou movimentos de animais. São estes movimentos combinados e sincronizados que vão construindo a referência corporal da criança.
Os professores estão preparados para reconhecer um bom livro de literatura infantil e para trabalhar com a literatura em sala de aula, tanto na Educação Infantil quanto nas séries iniciais do Fundamental?
Livro bom é aquele livro que o leitor escolhe, não o livro que lhe é imposto. Ninguém se torna leitor por imposição. A formação do leitor é construída exatamente como umself-service, ou seja, o papel do professor é disponibilizar o maior número possível de volumes e permitir que o acesso a eles seja garantido. Depois que os alunos escolherem os livros, aí sim, eles podem começar a gostar daquilo que chamamos ato de ler. Mas, muitas vezes o professor fica só nos clássicos, com medo de inovar, e acaba não servindo um "prato" diferente naquele self-service. Resultado: talvez a comida mais apetitosa estava justamente naquele livro que as crianças nunca provaram, mas que a professora ou o professor, por medo, por achar não adequado, não ofertou.
Livro bom é aquele livro que o leitor escolhe, não o livro que lhe é imposto. Ninguém se torna leitor por imposição. A formação do leitor é construída exatamente como umself-service, ou seja, o papel do professor é disponibilizar o maior número possível de volumes e permitir que o acesso a eles seja garantido. Depois que os alunos escolherem os livros, aí sim, eles podem começar a gostar daquilo que chamamos ato de ler. Mas, muitas vezes o professor fica só nos clássicos, com medo de inovar, e acaba não servindo um "prato" diferente naquele self-service. Resultado: talvez a comida mais apetitosa estava justamente naquele livro que as crianças nunca provaram, mas que a professora ou o professor, por medo, por achar não adequado, não ofertou.
Na apresentação de seu livro Práticas de alfabetização e letramento, o senhor diz que mais importante do que dar rótulo a um material é saber a que propósito ele servirá. A escola brasileira tem dado muita importância aos métodos utilizados na alfabetização? Por que temos tido resultados tão ruins, com alunos analfabetos funcionais no Fundamental II?
Temos que dar um adeus a estas afirmações de que um método é melhor que o outro para alfabetizar. Quem define o melhor método para ser alfabetizado é o próprio sujeito da ação, neste caso, o aluno. É ele quem diz: eu vou melhor por aqui do que por ali. Assim, cabe ao professor dominar todos os métodos e lançar propostas sempre de várias formas, para que os alunos possam optar por onde começar e por qual caminho seguir. Às vezes é o método fônico, às vezes uma atividade mais construtivista ou mais psicodinâmica, mas às vezes é uma silabação. A prática pedagógica é que irá resolver a dúvida da criança. Se as práticas serviram para possibilitar que a criança aprenda, pergunto: qual é o problema?
Por outro lado há uma infinidade de redes que usam apostilas, livros didáticos e outros materiais mais engessados. Nesse caso é preciso dois cuidados muito sérios. O primeiro se trata de entender qual é a proposta do material, da capacitação que a rede oferece e principalmente quais são as possibilidades de enriquecer este material. O que significa que a secretaria de educação, no caso das redes públicas, ou a mantenedora, no caso das escolas privadas, já definiram previamente o que esperam de seus alunos a partir da oferta daquele tipo de material. Assim, tem que ficar claro que por mais que um professor possa enriquecer um material didático ele jamais poderá salvá-lo. Há materiais didáticos muito ruins e neste caso tudo o que o professor quiser acrescentar vai causar problemas, seja de ordem didático-pedagógica seja de ordem subordinativa. O que quero dizer é que o material norteia, sim, a ação educativa. Se o material é extremamente conservador, rígido, ultrapassado e fora da realidade da criança, a escolha prévia já limitou anteriormente quase todas as possibilidades que o professor teria para propor novas e outras ideias ali. É preciso também lembrar que é possível fazer sugestões a qualquer material didático, no entanto, as contradições e as orientações destoantes acabam por provocar resultados maléficos à percepção e ao desenvolvimento do aluno. Prefiro dizer que é melhor usar um material ruim - quando não há nenhuma possibilidade de mudança naquela instituição - do que propor outras soluções e com elas criar novos e tantos outros problemas às crianças e aos seus superiores.
O segundo cuidado que se deve ter é que o planejamento da Educação Infantil deve estar sempre baseado em cuidar e educar, e os materiais didáticos nunca apresentam sugestões ao cuidar, somente ao educar, que é entendido quase sempre como a transferência de conteúdos. Com isto, todas as ações de cuidados, higiene, socialização, autonomia, equilíbrio emocional, percepções, questionamentos, formação integral e de valores estará sempre sob a chancela da prática pedagógica do regente. É justamente ali, naquela parcela da rotina diária que o educador da infância pode fazer mais pela criança, mesmo tendo do outro lado um material didático ruim.
Temos que dar um adeus a estas afirmações de que um método é melhor que o outro para alfabetizar. Quem define o melhor método para ser alfabetizado é o próprio sujeito da ação, neste caso, o aluno. É ele quem diz: eu vou melhor por aqui do que por ali. Assim, cabe ao professor dominar todos os métodos e lançar propostas sempre de várias formas, para que os alunos possam optar por onde começar e por qual caminho seguir. Às vezes é o método fônico, às vezes uma atividade mais construtivista ou mais psicodinâmica, mas às vezes é uma silabação. A prática pedagógica é que irá resolver a dúvida da criança. Se as práticas serviram para possibilitar que a criança aprenda, pergunto: qual é o problema?
Por outro lado há uma infinidade de redes que usam apostilas, livros didáticos e outros materiais mais engessados. Nesse caso é preciso dois cuidados muito sérios. O primeiro se trata de entender qual é a proposta do material, da capacitação que a rede oferece e principalmente quais são as possibilidades de enriquecer este material. O que significa que a secretaria de educação, no caso das redes públicas, ou a mantenedora, no caso das escolas privadas, já definiram previamente o que esperam de seus alunos a partir da oferta daquele tipo de material. Assim, tem que ficar claro que por mais que um professor possa enriquecer um material didático ele jamais poderá salvá-lo. Há materiais didáticos muito ruins e neste caso tudo o que o professor quiser acrescentar vai causar problemas, seja de ordem didático-pedagógica seja de ordem subordinativa. O que quero dizer é que o material norteia, sim, a ação educativa. Se o material é extremamente conservador, rígido, ultrapassado e fora da realidade da criança, a escolha prévia já limitou anteriormente quase todas as possibilidades que o professor teria para propor novas e outras ideias ali. É preciso também lembrar que é possível fazer sugestões a qualquer material didático, no entanto, as contradições e as orientações destoantes acabam por provocar resultados maléficos à percepção e ao desenvolvimento do aluno. Prefiro dizer que é melhor usar um material ruim - quando não há nenhuma possibilidade de mudança naquela instituição - do que propor outras soluções e com elas criar novos e tantos outros problemas às crianças e aos seus superiores.
O segundo cuidado que se deve ter é que o planejamento da Educação Infantil deve estar sempre baseado em cuidar e educar, e os materiais didáticos nunca apresentam sugestões ao cuidar, somente ao educar, que é entendido quase sempre como a transferência de conteúdos. Com isto, todas as ações de cuidados, higiene, socialização, autonomia, equilíbrio emocional, percepções, questionamentos, formação integral e de valores estará sempre sob a chancela da prática pedagógica do regente. É justamente ali, naquela parcela da rotina diária que o educador da infância pode fazer mais pela criança, mesmo tendo do outro lado um material didático ruim.
Como pai solteiro e educador, como tem visto a escola lidar com os diversos perfis de família? Os professores têm dificuldades em se relacionar com famílias diversas da convencional?
Eu já tive que mudar meu filho Bruno três vezes de escola. Agora creio que chegamos a um perfil ideal para ele, mas eu me lembro que em uma das vezes tive que dizer para a direção da escola que meu filho não precisava de família, ele precisava de professora, de escola. Quer dizer, por eu ter feito uma opção individual de ser pai adotivo, mesmo solteiro, muitas escolas interpretaram, e ainda fazem, o fato de que meu filho não tem uma família. Ficavam só tentando reparar uma pseudo falta de família, que para elas meu filho não tinha. Daí vinham para casa situações insustentáveis. Por exemplo, eu apontava os erros pedagógicos em cadernos e atividades do meu filho via agenda e no outro dia a escola me mandava um bilhete perguntando se ele tinha dormido cedo ou tarde e o que ele tinha feito em casa. Quer dizer, da educação de casa a família cuida, seja qual for o seu modelo. A escola precisa se ater a sua atividade primordial, que é gerenciar a aprendizagem, coisa que pai ou mãe não podem fazer com o mesmo poder da escola. Sou contra esta história de escola deixar de fazer seu trabalho e ficar se intrometendo em valores familiares. Valores familiares são grandes e diversos demais para a escola lidar e ela, a escola, não sabe como fazer isto, então é preciso retornar às aulas - as famílias agradecem.
Eu já tive que mudar meu filho Bruno três vezes de escola. Agora creio que chegamos a um perfil ideal para ele, mas eu me lembro que em uma das vezes tive que dizer para a direção da escola que meu filho não precisava de família, ele precisava de professora, de escola. Quer dizer, por eu ter feito uma opção individual de ser pai adotivo, mesmo solteiro, muitas escolas interpretaram, e ainda fazem, o fato de que meu filho não tem uma família. Ficavam só tentando reparar uma pseudo falta de família, que para elas meu filho não tinha. Daí vinham para casa situações insustentáveis. Por exemplo, eu apontava os erros pedagógicos em cadernos e atividades do meu filho via agenda e no outro dia a escola me mandava um bilhete perguntando se ele tinha dormido cedo ou tarde e o que ele tinha feito em casa. Quer dizer, da educação de casa a família cuida, seja qual for o seu modelo. A escola precisa se ater a sua atividade primordial, que é gerenciar a aprendizagem, coisa que pai ou mãe não podem fazer com o mesmo poder da escola. Sou contra esta história de escola deixar de fazer seu trabalho e ficar se intrometendo em valores familiares. Valores familiares são grandes e diversos demais para a escola lidar e ela, a escola, não sabe como fazer isto, então é preciso retornar às aulas - as famílias agradecem.
Para finalizar, gostaria que contasse como foi sua experiência educativa na África no ano passado.
A África mudou minha vida, minha maneira de ver a escola, o papel do professor e, principalmente, as metodologias que usamos. Tudo lá difere do que já vi pela Europa ou América, mas o que mais me surpreendeu foi o compromisso do professor com a mudança de vida do aluno. Nisto eles são bons e têm muito a nos ensinar.
Fui a Moçambique patrocinado por uma empresa alemã, chamada GIZ. Essa empresa possui um programa de cooperação educativa entre Alemanha e Moçambique. Tenho uma amiga, Sueli Dib, que fez a indicação do meu trabalho e para lá fomos juntos desenvolver um programa de avaliação em leitura e escrita chamado RTI. RTI é uma metodologia muito usada no Canadá e nos Estados Unidos e significa respostas às intervenções. Basicamente quer dizer que esta ferramenta é capaz de avaliar todas as ações que já foram desenvolvidas junto aos alunos em fase de alfabetização e o resultado delas. Muitas vezes as escolas usam várias metodologias para ajudar o aluno a superar suas dificuldades, mas, ao final, dando certo ou não, a escola não consegue dizer qual foi a prática pedagógica que deu certo e qual foi a que deu errado - e os porquês de cada resultado. A RTI faz justamente isto, ela mostra o que deu ou dá certo para cada aluno porque é uma metodologia individual, que acompanha cada um em seu desenvolvimento e em sua capacidade. Ou seja, Moçambique quer fazer exatamente isto hoje, crescer com qualidade. Lá eles buscam saber o que está dando certo e como.
Fiz um projeto piloto para a empresa GIZ avaliar se atendia a necessidade de Moçambique e, principalmente, se estava de acordo com a proposta de alfabetização daquele país.
Após o projeto ser avaliado e aprovado, fui para Moçambique aplicar a metodologia. Inicialmente o projeto foi aplicado aos coordenadores da área de formação de professores, aos funcionários do Ministério de Educação de Moçambique a aos dirigentes da GIZ. De posse desta formação esse grupo se responsabilizou pela formação de professores locais envolvidos com os trabalhos de leitura e escrita.
Há uma particularidade em Moçambique que eu gostaria de ressaltar: os poucos livros didáticos existentes trazem, já na alfabetização, toda uma contextualização política sobre a atual realidade do país. As lições das cartilhas e dos livros didáticos fogem ao padrão de história de gatinho, de palhaço ou de coisas do gênero. Lá a alfabetização trabalha com a realidade local, enchentes, seca, fome, mobilidade social e afins. Tudo isto em um ensino trilíngue: português, que é aprendido na escola, árabe, pois boa parte da população é muçulmana, e changana, talvez a língua mais falada por todo o país.
A África mudou minha vida, minha maneira de ver a escola, o papel do professor e, principalmente, as metodologias que usamos. Tudo lá difere do que já vi pela Europa ou América, mas o que mais me surpreendeu foi o compromisso do professor com a mudança de vida do aluno. Nisto eles são bons e têm muito a nos ensinar.
Fui a Moçambique patrocinado por uma empresa alemã, chamada GIZ. Essa empresa possui um programa de cooperação educativa entre Alemanha e Moçambique. Tenho uma amiga, Sueli Dib, que fez a indicação do meu trabalho e para lá fomos juntos desenvolver um programa de avaliação em leitura e escrita chamado RTI. RTI é uma metodologia muito usada no Canadá e nos Estados Unidos e significa respostas às intervenções. Basicamente quer dizer que esta ferramenta é capaz de avaliar todas as ações que já foram desenvolvidas junto aos alunos em fase de alfabetização e o resultado delas. Muitas vezes as escolas usam várias metodologias para ajudar o aluno a superar suas dificuldades, mas, ao final, dando certo ou não, a escola não consegue dizer qual foi a prática pedagógica que deu certo e qual foi a que deu errado - e os porquês de cada resultado. A RTI faz justamente isto, ela mostra o que deu ou dá certo para cada aluno porque é uma metodologia individual, que acompanha cada um em seu desenvolvimento e em sua capacidade. Ou seja, Moçambique quer fazer exatamente isto hoje, crescer com qualidade. Lá eles buscam saber o que está dando certo e como.
Fiz um projeto piloto para a empresa GIZ avaliar se atendia a necessidade de Moçambique e, principalmente, se estava de acordo com a proposta de alfabetização daquele país.
Após o projeto ser avaliado e aprovado, fui para Moçambique aplicar a metodologia. Inicialmente o projeto foi aplicado aos coordenadores da área de formação de professores, aos funcionários do Ministério de Educação de Moçambique a aos dirigentes da GIZ. De posse desta formação esse grupo se responsabilizou pela formação de professores locais envolvidos com os trabalhos de leitura e escrita.
Há uma particularidade em Moçambique que eu gostaria de ressaltar: os poucos livros didáticos existentes trazem, já na alfabetização, toda uma contextualização política sobre a atual realidade do país. As lições das cartilhas e dos livros didáticos fogem ao padrão de história de gatinho, de palhaço ou de coisas do gênero. Lá a alfabetização trabalha com a realidade local, enchentes, seca, fome, mobilidade social e afins. Tudo isto em um ensino trilíngue: português, que é aprendido na escola, árabe, pois boa parte da população é muçulmana, e changana, talvez a língua mais falada por todo o país.
Por Luiza Oliva
Contatos com Geraldo Peçanha de Almeida: www.geraldoalmeida.com.br
LEGENDAS:
“A sequência didática é a grande descoberta e a grande novidade para o trabalho com crianças de Educação Infantil, sejam elas de zero a três anos ou de quatro e cinco anos de idade.”
“A sequência didática é a grande descoberta e a grande novidade para o trabalho com crianças de Educação Infantil, sejam elas de zero a três anos ou de quatro e cinco anos de idade.”
“São as atividades estruturadas que mostram para a criança que também é importante parar, pensar, testar, arquitetar, construir e isto dá trabalho, por vezes é chato, mas é imprescindível para o desenvolvimento infantil.”
Matéria publicada na Revista Direcional Educador - Edição 86 - março/2012